Na década de 40 duas escolas de metodologia de manejo de facas se desenvolveram junto às forças armadas.
Sua criação foi o resultado do esforço de quatro dedicados teóricos,
especialistas no manejo de lâminas: Major W.E. Fairbairn, Tenente Coronel
A.J.D. Biddle, Tenente Coronel Rex Applegate, e do Mariner da reserva John
Styers.
Ao major Fairbairn devemos a chamada Técnica Commando,
depois com diversos refinamentos aplicados por Applegate. Esta técnica,
conhecida também como a Escola Xangai (que foi onde Fairbairn começou a
desenvolver suas teorias), foi a preferida pelas forças britânicas, e serviu de
base para a instrução dada aos membros das forças armadas americanas.
A segunda escola, conhecida como a Técnica do Sabre, ou Escola
Formal, foi desenvolvida pelo Tenente Coronel Biddle, e foi adotada como o método
oficial de treinamento da US Marine Corps. Esta escola passou por grande
refinamento nas mãos de John Styers, e seu colaborador, Karl Schuon.
Styers se tornou um grande defensor dos métodos de Biddle
(mais tarde conhecido como Método Styers), divulgando em diversas bases das
forças armadas americanas, ministrando cursos especiais. Com isso o Método
Styers se tornou o favorito entre as tropas americanas.
Talvez a maior contribuição dos “4 Grandes” tenha sido não
somente o desenvolvimento dos métodos, mas o fato de terem publicado os mesmos,
tornando-se assim os instrutores mais familiares para quem se dispõe a estudar
o manejo de facas.
William Ewart
Fairbairn
O Major Fairbairn foi comissário da Policia Municipal de Xangai
de 1927 a 1940. Ele foi o autor do método de instrução de Combate Individual do
Exército Inglês. E o criador, junto de E.A. Sykes, da lendária Faca de Combate
Fairbairn-Sykes.
Começando em 1942, com a publicação do livro “Get Though!
How to Win in Hand-to-hand Fighting” (publicado na Inglaterra como “All In
Fighting”), o evangelho de Fairbairn se espalhou por forças militares e
policiais de todo o mundo, e certamente influenciou autoridades como Biddle,
Applegate, Styers e outros.
O que é bastante surpreendente, uma vez que “Get Tough”
dedica pouco de seu texto ao combate com facas. Presume-se que o método foi desenvolvido
graças a observação do funcionamento sobre os homens que ele pessoalmente
treinou no uso da faca.
O que “Get Tough” conseguiu, entretanto, foi isolar e
identificar as áreas do corpo humano mais vulneráveis a um ataque com faca, e a
introdução de uma estrutura sobre o que anteriormente era província de brigas
de rua.
Pela maneira lógica de pensamento de Fairbairn, para
aprender sobre o uso de uma faca em combate, é necessário aprender sobre as
áreas vulneráveis no corpo humano, e criar um sistema para atingi-las.
Apesar de haverem diversos alvos como nervos, vasos sanguíneos
e ligamentos, pelo ponto de vista tático, Fairbairn considera seis áreas como alvos principais:
1.
Artéria braquial
2.
Artéria radial
3.
Artéria carótida
4.
Artéria subclávia
5.
Coração
6.
Estomago.
Essas áreas, segundo ele, eram as áreas mais acessíveis para
o combatente com uma faca: áreas que, uma vez cortadas ou perfuradas com toda força,
seriam mais favoráveis para causar a morte, e quando cortadas ou perfuradas com
força moderada ainda assim causariam grande choque.
Fairbairn então levou sua pesquisa ainda mais fundo, e criou
a detalhada “Timetable of Death”. Um corte ou estocada em
cada respectiva área eram avaliadas em termos de profundidade dos pontos vulneráveis
sob a superfície da pele, tempo que levaria a perda de consciência e tempo que
levaria à morte. Se as conclusões de Fairbairn foram teóricas, tiradas de algum
texto médico, ou foram resultado de uma pesquisa pratica é questão para
conjecturas.
No.
|
Nome
da artéria
|
Tamanho
|
Profundidade
Pol.
|
Perda
de consciência
Seg.
|
Morte
|
1
|
Braquial
|
Médio
|
½
|
14
|
1,5 min.
|
2
|
Radial
|
Pequena
|
¼
|
30
|
2 min.
|
3
|
Carótida
|
Grande
|
1 ½
|
5
|
12 seg.
|
4
|
Subclávia
|
Grande
|
2 ½
|
2
|
3,5 seg.
|
5
|
(Coração)
|
--
|
3 ½
|
instantâneo
|
3 seg.
|
6
|
(Estomago)
|
--
|
5
|
Depende da profundidade do corte
|
De acordo com a tabela de Fairbairn, concluímos que a artéria
carótida, artéria subclávia e coração são os alvos mais efetivos, enquanto a artéria
radial, artéria braquial e estomago são as menos efetivas, ao menos em termos
relativos.
Mesmo assim Fairbairn defende os cortes as áreas da radial,
braquial e estomago, presumivelmente por seu valor em termos de dano causado. Com
relação a artéria subclávia, Fairbairn dá um conselho: “não é uma artéria fácil
de cortar com uma faca, mas, uma vez atingida, seu oponente cai, e não há
torniquete ou qualquer espécie de socorro capaz de salva-lo”.
Como mencionei, Fairbairn foi Comissário de Policia de
Xangai, onde teve contato com muitos membros das forças armadas americanas, no
fim os grandes responsáveis pela enorme disseminação de seus métodos de combate.
Um dos membros das forças armadas americanas infectado pelo
entusiasmo pelos métodos de Fairbairn foi o tenente Samuel G. Taxis, treinador
do time de Boxe dos Mariners, e antigo pupilo do coronel A. J. Biddle. Junto a
Fairbairn, Taxis instruiu diversos batalhões americanos alocados em Xangai.
De volta aos Estados Unidos, por volta de 35~36,
especialista nos métodos de Fairbairn, Taxis informou seu antigo
instrutor, Biddle, das inovações que havia aprendido. Impressionado, Biddle
decide incorporar muitos dos métodos em seu famoso livro “Do or Die”.
Anthony Joseph Drexel
Biddle
O tenente coronel A. J. D. Biddle foi o "gentleman" do
combate com facas, seu grande cavalheiro, e o mais fino estudioso. É reconhecido
como especialista na instrução militar em combate corpo a corpo, e possuidor das mais impressionantes credenciais em combate com facas.
Biddle iniciou seu estudo em faca, espada e baioneta sob
tutela do Major William Herrmann, campeão americano de esgrima e especialista
no uso da baioneta. Mais tarde, recebeu instrução do inglês J.H. Hawkins, instrutor
de esgrima da Guarda Montada Real. Seus estudos ainda se desenvolveram através de
professores como Jean-Marie Surget, campeão mundial de esgrima, e do grande Maestro
J. Martinez Castello, figura lendária no uso do florete.
No inicio dos anos 30 Biddle serviu como Instrutor de
Combate Individual da escola de cadetes da USMC, e como professor na faculdade
do FBI e do Departamento de Justiça americano.
Em 1935, Biddle, então instrutor do 5º. Regimento do USMC,
por sugestão de seu oficial comandante, começou a trabalhar em seu famoso livro
“Do or Die: a Suplementary Manual on Individual Combat”.
Publicado em 1937, “Do or Die” foi fruto do esforço de 20
anos de pesquisas, observações e prática nas mais diversas formas de defesa
pessoal.
Devido ao seu extensivo treinamento no uso da espada, Biddle
entendeu que o estudo clássico de esgrima seria uma excelente base para a
instrução no combate com facas.
Sua doutrina era tão arraigada no uso da espada que todo seu
método de instrução é construído sobre manobras como In-quartata, Passata-soto,
Stocatta, dentre outros. Movimentos similares àqueles tão conhecidos dos esgrimistas.
Entretanto, em sua obra, Biddle não leva em conta que usuários
de facas, facões e adagas geralmente não são versados na arte da esgrima, não
são cavalheiros, e não necessariamente jogam limpo.
E essa é a grande fragilidade no método de Biddle. Ele era
um cavalheiro, ensinando cavalheiros o ritual
de um combate com facas. Assim, para nós hoje, muito do que Biddle defende
parece pouco prático num combate real.
O método de Biddle, entretanto, trouxe uma contribuição
singular à instrução formal do combate com facas: o corte na mão. Pela primeira vez surgia o conselho de não
atacar diretamente e com total comprometimento o coração, garganta, ou outras áreas
fatais, mas ao contrario, concentrar esforços em atacar as mãos e braços de seu
adversário. Biddle percebera que nem sempre é possível fazer de seu primeiro
ataque o ultimo.
Em seu livro Biddle ilustra sete movimentos básicos:
1.
A posição de Guarda
2.
Esquiva externa e agarrar
3.
Esquiva interna e agarrar
4.
In-quartata
5.
Stoccata
6.
Passata Sotto
7.
Defesa contra um ataque vertical.
Além disso, dá conselhos sobre importantes aspectos da
posição da lâmina, trabalho de pernas, e posicionamento dos braços.
O assunto posicionamento dos braços, e o uso da mão livre
foi um desenvolvimento significativo. Basicamente ele aconselha que a faca seja
usada como um florete ou espadim, enquanto a mão livre é jogada diretamente
para trás. Ele considerava isso capaz de adicionar velocidade e equilíbrio à manobra.
Apesar de isso ser um movimento clássico de esgrima, não é algo completamente
sem propósito no combate com facas.
Enfim podemos dizer que apesar de não ser um método definitivo
de combate com facas, as técnicas de Biddle foram uma tentativa de formalizar a
prática de combate com facas em uma arte capaz de ser ensinada, e não somente
adquirida.
A Biddle também pode ser creditada a ocidentalização do combate com
facas, devido a aplicação de técnicas de esgrima de acordo com os ensinamentos
dos grandes mestres franceses, italianos e ingleses.
Mas devido às fragilidades de seu método, na década de 40 este foi
descartado em favor de um teórico mais prático que surgia.
Rex Applegate
Se formos classificar Fairbairn como o cara mais influente
em técnicas de combate corpo a corpo, e Biddle como o gentleman, podemos
classificar Applegate como o cientista em combate com facas. O mais aprofundado
e melhor estrategista.
O livro de Applegate, “Kill or Get Killed”, publicado em
1943, foi o primeiro tratado profundo no assunto combate com facas militar
ocidental.
O que Applegate conseguiu mais que qualquer outro antes
dele, foi uma exposição sistemática do combate com facas em suas muitas e
variadas formas.
Sua obra cobre a arte
em grande detalhe, levantando assuntos como morte de sentinelas, esquivas,
bloqueios, preferências raciais, e mais importante, a psicologia do combate com
facas.
Applegate tira o romantismo e o nonsense ainda associado ao
combate com facas, trazendo sua técnica em direção ao uso em combate real.
Applegate era um homem prático, e sua praticidade aparece em sua obra.
Ele criou um sistema de combate com facas, dando ao aprendiz
capacidade de rapidamente adquirir técnicas, uma vez que tenha entendido os
problemas oriundos de um combate com facas.
Applegate começa dividindo os portadores de facas em três categorias:
1.
O lutador treinado
2.
O lutador sem habilidade
3.
O “cortador”
Então, segue
instruindo o aprendiz na melhor maneira de lidar com cada um deles. Mas
Applegate não era ingênuo a ponto de achar que dividir todos os combatentes em
categoria definidas, e apesar de superficialmente, toca nesse assunto em seu
livro. Compreendo que maiores detalhes a respeito seriam dados em treinamento
prático.
Applegate também foi o primeiro a explicar detalhadamente a
defesa por esquiva. Onde Fairbairn (entre outros) baseavam suas defesas em
bloqueios, Applegate viu a irrealidade de utilizar o bloqueio contra um oponente forte, ou contra um fanático enlouquecido.
Mais que tudo, suas técnicas baseiam-se muito mais em astúcia e esquivas que em
força bruta.
John Styers
De Fairbairn chegamos a Applegate. De Biddle chegamos a John
Styers: o quarto membro de nossos “4 Grandes” do combate com facas militar.
Styers era seguidor das técnicas de Biddle, e em sua obra “Cold
Steel” vê-se claramente inseridas as teorias de Biddle. Entretanto,
diferentemente de Biddle, Styers era um homem prático, como Applegate.
Basicamente Styers divide sua instrução em cinco categorias
principais, e nove categorias secundarias.
I.
Empunhadura
II.
Posicionamento
1.
A posição Sabre
2.
A posição de duelista de faca
III.
A estocada
IV.
O corte
1.
O corte vertical
2.
O corte horizontal
3.
O corte na mão
V.
Técnica
1.
Distancia (entre oponentes)
2.
Alvos
3.
In-Quartata
4.
Passata Sotto
Só de examinar esta classificação podemos ver facilmente a
influencia de Biddle sobre Styers, dando ênfase às técnicas de esgrima. Em
resumo, entendo o método de Styers como um aprofundamento, aperfeiçoamento e
colocação prática das técnicas de Biddle.
O que Styers faz é integrar (e adaptar quando necessário) as
técnicas oriundas do manejo da espada para as particularidades da arma que ele defendia:
a faca Bowie.
Por isso, Styers dedica um espaço considerável ao que ele
chama de “ação natural de chicotada” da faca, observando que este momentum da
lâmina pode ser usado para grande vantagem quando fazendo um corte vertical, ou
um corte na mão. Nesse caso, a “ação de chicotada” da faca Bowie é definida
pelo movimento natural da lâmina (quando de uma faca com a lâmina mais pesada
que a empunhadura) quando executada uma estocada ou corte estendendo
completamente o braço em alta velocidade.
Styers continua, dando sua valiosa visão da relação física entre
músculos e aço. Esta relação pode ser analisada em termos das tensões físicas naturais
que se desenvolvem quando armas são usadas.
“...A lâmina deve evitar fazer movimentos circulares com o
braço totalmente estendido. Estes círculos são resultado de uma ação forçada do
pulso ou antebraço, atrapalhando a ação natural da lamina”.
Esta é obviamente a citação de um cara em completa harmonia
com sua arma, e demonstra um exame criterioso de seu uso. Para ilustrar melhor,
considere o conselho de Styers a respeito da empunhadura:
“ 1. Mantenha o pulso travado o tempo todo; 2. Não dobre o
polegar sobre a guarda; 3. Mantenha a lâmina alinhada com o antebraço”.
Mais uma vez as observações são baseadas na relação física do homem
com a faca.
Assim, considero que a Styers devemos o que podemos chamar a
“Consciência Armada”, ou seja o conhecimento biomecânico e natural do uso da
faca.
Styers dá muita ênfase a agilidade, manobrabilidade e
velocidade. Para ele, essas são as características mais importantes para um combate
com facas.
Esses são, para mim, os “4 Grandes” teóricos que mais influenciaram
a arte do manejo de facas no ocidente. Suas obras estão disponíveis para
estudo, e são a base da maioria dos sistemas militares ocidentais modernos.
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